A terceira e última parte da tradução do brilhante artigo de Pablo Esper termina com a seguinte pergunta: Prof. e eu quando jogo? Esta é uma pergunta que nos deve inquietar a todos,
os que estamos envolvidos nas primeiras etapas da formação desportiva, ou seja como é mencionado no artigo dos 7 aos 14 anos.
A definição desta faixa etária dos 7 aos 14 anos, ainda tem mais razão de ser no caso da nossa modalidade, nomeadamente em Portugal, pois sabemos que o escalão de SUB-14, quer nos masculinos, quer nos femininos é aquele que maior número de praticantes tem nos escalões de formação. Este dado revela, que um número elevado de crianças, apenas chega no nosso país, aos 13, 14 anos ao basquetebol. Se queremos aumentar a massa crítica da nossa modalidade, esta é uma realidade que urge alterar, mas tal, também implica fazer opções e tomar medidas.
Contudo há uma coisa, que é uma agradável realidade. Quando comecei a minha colaboração na Federação era perfeitamente impensável, até porque não havia nem essa tradição nem o hábito, haver num fim-de-semana dois clinics internacionais, que se preveem de elevada qualidade, apenas para falar de minibásquete. Felizmente que o minibásquete é hoje em dia um tema muito abordado e que há gente a falar e a querer ouvir falar sobre minibásquete.
Face à qualidade dos preletores e aos sugestivos temas do Clinic Internacional de Minibásquete da Associação de Basquetebol do Porto onde irão estar o António Carrillo, o Carlos Vaquero e o Cristino Menor, quem me dera ter o dom da ubiquidade, pois como é publico vou estar presente no Clinic de Albufeira, onde terei o prazer e a satisfação de estar com o Mário Batista e reencontrar dois amigos destas andanças internacionais o José Maria Silva e o António Carrillo.
O direito da criança desportista a jogar e a ausência deste compromisso na competição infantil
Dr. Pablo Esper Di Cesare
Este é um dos pontos que mais insónias provoca nas crianças, nos país, treinadores, formadores e em todas as pessoas envolvidas no desporto infantil.
Quando falamos em “jogar” não nos referimos especificamente aos jogos calendarizados, vai muito para além disso. Estamos também a referi-mo-nos ao espaço que o jogo tem dentro da sessão de treino, e quando este se verifica, às situações em que a criança fica de fora, não participa activamente e não tem possibilidades de tomar decisões no jogo.
Em todas as sessões de treino o fundamento trabalhado, deve terminar aplicado no jogo, ou em exercícios de aplicação do fundamento, mas sempre tendo em conta, um dos princípios que assinalámos na Pedagogia do Afecto como é o “reforço positivo”.
Para que este reforço se dê, e sirva para que a criança tome confiança no uso e aplicação do fundamento aprendido é importante determinar claramente se o fundamento é ofensivo ou defensivo e, a partir daqui, aplicar variáveis que favoreçam a sua utilização.
Por exemplo, se é um fundamento ofensivo deveremos, entre outras variáveis que facilitam a aprendizagem, ampliar espaços, pôr limites nas acções defensivas, usar a superioridade ou a igualdade numérica dos atacantes, de forma a facilitar a passagem da aprendizagem do 1 x 0 a uma aplicação efectiva do jogo de cooperação e oposição.
No entanto, se é um fundamento defensivo deveremos reduzir o espaço do jogo, pôr limites às acções ofensivas (por exemplo tempos de posse de bola), limitar áreas de jogo, e trabalha em igualdade ou superioridade numérica a favor da defesa.
O que devemos levar sempre em conta, e é algo que muitas vezes os treinadores se esquecem, é que nestes desportos os jogos são de funções reversíveis de forma continua, pelo que o jogo deve ter continuidade com a passagem automática do ataque à defesa e novamente ao ataque, como acontece no jogo.
Devemos sempre deve ir à procura do momento para aplicar em formato competitivo o fundamento aprendido, ainda que sejam muitos minutos, a criança necessita jogar.
Nunca nos deve acontecer numa sessão de treino que a criança nos diga: Prof / coach / treinador: quando jogamos?
Para que isto não aconteça dirigentes e treinadores de todo o mundo fazem regulamentos para assegurar minutos às crianças, no entanto esses minutos não são os mesmos para todos os jogadores e, em alguns casos por causa do treinador, não tem a mesma qualidade.
Porque dizemos que não tem a mesma qualidade? Porque há treinadores, que supostamente estão para formar as crianças, no seu primeiro contacto com o desporto e não para ganhar medalhas e campeonatos nas idades infantis, que só fazem entrar as crianças, quando o jogo já está decidido, sendo o que consideramos “minutos de lixo”.
Há muitos desportos em que os resultados são previsíveis. O basquetebol é um destes. Se jogamos na primeira volta e vencemos por 30 pontos, seguramente na segunda alcançaremos novamente uma vitória, ainda que possa ser por uma margem menor. É aqui onde o treinador deveria mostrar a sua faceta de “formador” e incluir a criança com menor desenvolvimento nas formações iniciais, já que para o desenvolvimento da sua segurança, não é o mesmo ser parte da equipa no início ou no final, quando a sua prestação já não é decisiva. E não só deve fazê-lo, como deve explicar aos seus companheiros, que apesar de não ter tido muitas oportunidades, o jovem que irá jogar nunca deixou de vir aos treinos, e que isso deve ser tão valorizado pelo treinador como as qualidades técnicas que possui. Deve, dar esse comportamento, como um exemplo para os seus companheiros.
Quando os treinadores e dirigentes se sentam a escrever um regulamento duma competição, sempre os aconselho, que antes leiam a Carta dos Direitos da criança no Desporto (1988), e tratem de cumprir todos os seus pontos, os quais assinalamos e comentamos.
- Direito de praticar o desporto sem nenhuma diferencia (sexo, aptidão ou características físicas): Todas as crianças deveriam poder praticar o desporto em qualquer associação desportiva. Exemplo positivo: os clubes de natação e os grupos não destinados à competição. Exemplo negativo: as crianças obrigadas a ficarem sentadas no banco nos desportos colectivos.
- Direito de entreter-se e jogar: É explicar o mundo em que as crianças entre os 7 e 14 anos se entretêm e jogam. Quando observamos um grupo de crianças a jogar, vê-se que inventam regras e formas de competições especiais, que a frequentemente duram toda a tarde, alternando com outras actividades de desportos: futebol, corridas, patins, ciclismo, etc. Isto evidencia a necessidade de variar, criar condições diferentes, propor alternativas de jogo e fomentar o uso de estas práticas espontâneas.
- Direito de ter um ambiente são: Referi-mo-nos, não apenas ao ambiente físico, mas também ao ambiente humano. Investigações recentes destacam que não é suficiente praticar desporto para defender-se da tentação da droga (o problema do doping prova o contrario). E da responsabilidade do adulto, treinador ou dirigente, educar a criança no sentido do bem-estar físico e psicológico facilitado através da prática do desporto e introduzir, quanto antes, noções como o Fair-Play. Exemplo positivo: destacar gestos altruístas e lealdade. Exemplo negativo: condutas desfavoráveis dos treinadores e dos pais contra o árbitro.
- Direito a ser tratado com dignidade: Muito frequentemente acontece que na prática diária dos desportos apareçam elementos negativos como os da “escola rígida" na qual o treinador usa uma linguagem que não respeita as regras da boa educação. Estas são posturas que não ajudam a função educativa que o desporto deve ter. Neste caso, o desporto é fonte de frustração, desilusão e escola de "falta de respeito pelos outros".
- Direito a ser acompanhado e treinado por pessoas competentes: O treinador-educador que actua no mundo dos jovens deve possuir conhecimentos sociológicos, pedagógicos e técnicos para poder adaptar-se à realidade da criança. É obrigação dos técnicos proporcionar fundamentos didácticos, dando-lhes um conteúdo e sugerindo métodos apropriados. Decidamente acontece com muita frequência, que treinadores menos competentes lhes sejam confiados desportistas muito jovens e cometem erros que frequentemente, influem no futuro desportivo da criança. Alguns treinadores usam teorias de treino e competição apropriadas a adultos, mas inadequadas às crianças. Esta é uma das causas pelas quais grande quantidade de jovens deixam o desporto competitivo depois doa 15 anos e pior ainda é que se alheam completamente da prática desportiva.
- Direito de fazer treinos segundo os ritmos individuais: Cada pessoa tem um ritmo de aquisição de conhecimentos e isto deve ser tido em conta para poder fomentar as aptidões e evitar os erros de treino. Neste caso conjugam-se a aprendizagem de automatismos e o desenvolvimento muscular e físico. Explicado no artigo da “Pedagogia do Afecto” (2015).
- Direito a competir com jovens que têm as mesmas possibilidades de êxito: Não é possível fazer competições entre crianças com diferencias físicas ou com níveis de preparação muito diferentes. Da derrota desportiva podem-se tirar aspectos significativos para o ensino, mas a experiência de sentir-se débil ou muito inferior não é vantajosa, assim como não é vantajoso sentir-se muito poderoso.
- Direito a participar em competições adequadas: A tendência na organização das competições para as crianças é “adultomórfica” (campeonatos longos, torneis por eliminação directa, distancias grandes a percorrer, títulos de campeões, etc.) No entanto há alguns exemplos positivos de adaptação do desporto à idade: minibasquete, minivolei, futebol de 7, torneios de um día.
- Direito a participar no desporto dentro da máxima segurança: Aqui coloca-se o problema da adaptação das infraestruturas, que frequentemente não levam em consideração a realidade física e psíquica da criança (campos muito grandes, pisos irregulares, inadequados, etc
- Direito a ter adequadas pausas para descansar: Ocorre frequentemente aquilo que chamamos de treino intensivo precoce no desporto organizado (mais de 10 horas semanais para desportistas de 7 a 14 anos ), usam-se as férias para dar continuidade aos treinos, de tal forma que não lhes permitimos uma temporada de descanso. Também acontece, que assim que começam com treinos diários, alguns pais exijam que a criança prossiga a sua preparação em casa, com a finalidade errónea de apressar o seu desenvolvimento desportivo.
- Direito a não ser campeão mas também o direito a sê-lo: Por volta dos quinze anos de idade quando finalizam os primeiros anos de prática desportiva, o jovem adquiriu o conhecimento que a competição é alegria, pelo facto de se poder comparar, compreender, confrontar com os outros e consigo mesmo.
Os regulamentos para as competições infantis, para além de preverem as condicionantes estruturais de altura dos cestos, tempos de jogo, adaptações regulamentares (tempos de posse), tamanhos dos campos, tamanhos da bola, devem prever que todos os jogadores tenham a possibilidade de jogar a mesma quantidade de tempo para favorecer o desenvolvimento de todos os jogadores em igualdade de condições.
Em nosso entender, já o vimos propondo desde o ano 2006, a melhor forma de desenvolvimento dos jogadores de basquetebol é jogar 3 x 3 (duas equipas de 6 jogadores) em campos atravessados com 6 tempos de 8´, o qual dará, mais de 24´ cheios de participação a cada criança, maior interacção nas acções motrizes ao ser menor quantidade de jogadores em campo, ainda que a relação de metros quadrados à sua disposição seja similar à do jogo 5 x 5. Por outro lado, a maioria das acções colectivas ofensivas no basquetebol são de pares ou trios, e isto ver-se-à estimulando desde o primeiro contacto com o desporto, para logo nos irmos aproximando do jogo formal de 5 x 5.
Consideramos que todos os treinadores , no processo de formação da criança desportista, devem respeitar 3 máximas:
- Andar lentamente porque estou com pressa;
- Nenhuma medalha vale a saúde de uma criança;
- Todas as crianças tem o mesmo direito de jogar o mesmo tempo.
Nunca no desporto infantil, uma criança deve perguntar ao seu professor/treinador/coach: E eu quando jogo? Nesse momento fracassamos como formadores.