Apesar de termos jogado no mesmo clube, o CIF – Clube Internacional de Futebol, só conheci a Virgínia Anderson, quando fui convidado pela Federação de Basquetebol do Luxemburgo para dar uma ação de formação.
Talvez por termos jogado no mesmo clube, certamente também pela sua simpatia, o que é certo, é desse breve encontro de um fim de semana nasceu uma amizade que se tem mantido através do facebook. E foi através do facebook, que uma breve entrevista à Virgínia me chamou a atenção para o conceito de “Sistemic Coaching”.
1. Antes de falarmos do "Sistemic Coaching", fala-nos um pouco de ti. Quando é que começaste a jogar basquetebol, qual foi o teu percurso nos estados unidos e como surgiu a oportunidade de jogares em Portugal?
Comecei a jogar basquete por volta dos 10 anos de idade numa liga de basquete local para crianças. Eu tive imensa sorte de crescer numa comunidade onde se podiam praticar muitos desportos. A atividade para as crianças era denominada “Park Board League”e os pais eram os treinadores. Foi um espaço que proporcionou desde muito cedo desenvolvimento de habilidades motoras.
Aos 12 anos, andava eu no 7º ano tentei jogar com jovens de 15 a 16 anos na equipa do secundário. A razão pela qual eu fiz isso foi porque não havia jovens mais novas para formar uma equipa. Contudo tive muito sucesso e passado algum tempo acabei a jogar no “Varsity” (escalão de Sub-17, Sub-18). A determinada altura passei a liderar a equipa que foi vice-campeã estadual. Durante a época são dadas cartas de reconhecimento aos jogadores e jogadoras. Das 15 cartas de reconhecimento possíveis foram-me atribuídas 6. Na minha carreira de basquetebol no secundário também tive cartas de reconhecimento, por ser uma das melhores jogadoras do estado do Minnesota, no “All-Conference e All-State”. Esse reconhecimento trouxe-me visibilidade aos treinadores universitários e fui convidada por 5 universidades que me ofereceram uma bolsa de estudos para o curso completo.
Acabei por aceitar o convite duma Universidade da Divisão 1 chamada “Northwestern University,” uma universidade da divisão 1 que joga no “Big Ten”.
Aqui tive uma boa carreira e o meu treinador recomendou-me a um agente desportivo que colocava jogadores e jogadoras em clubes europeus. Foi ele que me indicou ao CIF Clube Internacional de Futebol. Numa manhã de sexta-feira recebi um telefonema a perguntar-me se eu estaria interessada em jogar profissionalmente basquetebol em Portugal. Eu disse que sim, e na segunda-feira seguinte estava a voar para Lisboa com um contrato de 10 meses. Passei momentos fantásticos a jogar pelo CIF e no final da época ganhámos na final a Taça de Portugal.
2. Que recordações tens desse tempo e quem são as pessoas de quem ficaste amiga aqui em Portugal?
Lembro-me de voar dos Estados Unidos e chegar a Lisboa, onde naquela época era tudo muito diferente. Os carros estavam estacionados em todos os lugares e era difícil encontrar telefones públicos para conseguir ligar para casa. Parecia que eu tinha andado no tempo 20 anos para trás. Não havia McDonalds ou Burger Kings pelo que fui obrigada a comer nos restaurantes locais e a aprender a saborear a comida portuguesa, cuja cozinha ainda é uma das minhas favoritas na Europa. Eu adorava ir aos cafés e tomar uma bica e comer o pastel de nata.
Eu realmente aproveitei bem quando joguei em Portugal, onde senti a paixão, que jogadores e jogadoras portugueses tinham pelo jogo. Foi um tempo maravilhoso de conhecimento e relacionamento com as minhas companheiras de equipe e meus treinadores Victor Hugo e Maggie McDonald. Fiz amizades para o resto da vida com alguns dos jogadores profissionais de basquete como Ken Webb e Flávio Nascimento. O Facebook também me ajudou a manter contato com colegas da minha equipe, como a Cristina Silva, (Pingas), a Isabel Coelho e a Cristina Arroja só para mencionar algumas. Também conheci e me tornei-me amiga do ex-jogador da seleção, Alexandre Pires, que atualmente treina basquetebol no Luxemburgo.
3. Há quantos anos vives no Luxemburgo, qual é a tua profissão e o qual é atualmente a tua ligação ao basquetebol?
Agora vivo no Luxemburgo há 34 anos. Eu joguei profissionalmente basquetebol durante 10 anos em clubes do Luxemburgo e da Alemanha. Profissionalmente trabalhei durante 25 anos no sector da banca no negócio de fundos de investimento.
Agora tenho a minha empresa que oferece serviços de “coaching” e consultoria para empresas de todo o mundo. O basquete teve uma grande influência na minha vida. Deu-me motivação e resiliência para ter um bom desempenho na minha carreira profissional. Ajudou-me a compreender e a desempenhar liderança em equipes. Isso ajudou-me a ser ágil e adaptável em qualquer ambiente. Agora a minha ligação ao basquetebol é a arbitragem. Já arbitrei mais de 1.000 jogos e sou comissária na liga luxemburguesa de basquetebol. Como tenho o grau 2 de treinador, também treinei várias equipas. Contudo, atualmente parei e concentrei-me mais na arbitragem. Quando trabalho com empresas, integro as minhas competências desportivas nos meus programas de “coaching,” treino e gestão.
4. Estando tu ligada principalmente à arbitragem o que te levou a assistir à minha ação de formação destinada ao ensino do minibásquete?
Em primeiro lugar, quando vi que um treinador de Portugal vinha ao Luxemburgo para dar um clínic, quis desde logo participar. Desde que joguei basquetebol em Portugal, respeito plenamente os programas de formação de treinadores e os treinadores vindo do vosso país. Pelo que quis aprender mais algumas técnicas e exercícios novos.
Embora esteja mais concentrada na arbitragem, gosto muito de organizar e colaborar em campus de basquete, o que tenho feito com bastante frequência, quando os clubes me pedem.
Como tenho o grau 2 de treinador de basquete, posso a qualquer momento assumir as funções de treinador. De momento e por uma questão de flexibilidade do tempo, prefiro não treinar. Eu já treinei, 2 equipas femininas, equipas de minibásquete e equipas escolares. Aliás, muitos dos exercícios de basquetebol podem ser transformados no universo das empresas em exercícios de “Team Building.”
5. Passemos então ao que me suscitou a vontade de te fazer esta entrevista. O que é o “Sistemic Coaching”?
Agradeço muito a tua pergunta, “Sistemic Coaching” é quando 2 ou mais pessoas trabalham em grupo. Mas trabalhar em grupo não é trabalhar com o outro ou outros indivíduos, mas ver o grupo como um todo, como uma entidade única funcional. Ao treinar uma entidade com um todo, o “Sistemic Coaching” pode trazer à tona os pontos fortes do coletivo e eliminar as questões supérfluas e individuais. Imagina uma equipa de basquete que não está a jogar bem e o treinador pede um desconto de tempo.
Se os jogadores são abordados unicamente individualmente durante o desconto de tempo ao entrarem em campo, ficam presos à sua própria cabeça. O treinador fica então sem o controle da execução da equipe, recua e confia apenas na execução individual dos jogadores. Tecnicamente é o caos, mas se a bola entra no cesto há magia.
Mas se a equipa joga em conjunto, passa para executar uma bandeja perfeita, é aqui que o treinador confia no desempenho da equipa no seu todo. Com o “Sistemic coaching”, aumentamos a confiança da equipa e o treinador revela que o sistema pode funcionar e tem conhecimento para o fazer. Todas as ações são reconhecidas, e o grupo reúne-se num fluir perfeito e executa as suas ações com um alto nível de motivação. Ao treinar a equipe como uma entidade única como um todo, somos capazes de sentir o campo emocional e fazer com que o grupo aprenda consigo mesmo e com seu potencial interno.
6. Qual é a diferença entre o “Sistemic Coaching “e o “Coaching” tradicional.
No “coaching” tradicional, falamos sobre “coaching” mental a partir de uma perspetiva individual. Ou seja, se uma pessoa diz que não consegue, por algum motivo, andar de bicicleta, o treinador pergunta, onde ele quer ir ajuda-o e só se afasta quando ele consegue andar por conta própria. O treinador tem competências e habilidades para ajudar a pessoa a retomar o controle e superar os bloqueios em sua vida.
No “sistemic coaching” o que é decisivo é ensinar a atitude. O treinador está a ensinar ao grupo sempre como uma entidade única para trazer à tona o potencial do grupo.
O treinador tem que usar vários e diferentes chapéus. Há o treino dos skills. O treinador também tem de desenvolver a motivação individual dos seus jogadores mas sempre na perspetiva do todo. Durante o jogo tem de ser observada e realçada acima de tudo a performance da equipa.
7. Já experimentaste ou conheces algum dirigente ou treinador que tenha pegado neste conceito e o tenha posto em prática.
Sim, eu uso as ferramentas do “sistemic coaching” quando estou gerir grupos, treinar equipas e quando estou a arbitrar jogos de basquetebol. Eu já preparei gestores de marketing em “sistemic coaching” e eles o usam para descobrir as necessidades de seus clientes e, em seguida, projetar o “branding” ligado à visão expressa pelo cliente. Quando estou arbitrar jogos de basquete, vejo o jogo como um todo e quando o clima emocional aumenta, apito para trazer diminuir o stresse, caso contrário a conflitualidade pode começar a aumentar. Quando treino basquete, dou voz aos jogadores e mudo para um estilo de comando e controle mais estilo inclusivo, onde peço às crianças que exercício gostariam de fazer. Eles sabem o que precisam e quando eu executo o exercício a motivação aumenta e a equipe começa a treinar com mais intensidade. Qual é o benefício disso, nos treinos seguintes, não importa os exercícios que eu tenha escolhido, estes serão executados com maior intensidade e motivação.
8. Quais são para ti as grandes vantagens do “Sistemic Coaching”?
As principais vantagens do “sistemic coaching” são que mais rapidamente podemos explorar a criatividade do grupo e gerar novas ideias. Somos capazes de descarregar as frustrações do grupo sem apontar dedos a ninguém e também trazer a voz de todos, mesmo vozes que são suprimidas e têm ideias para serem ouvidas. Isso traz inclusão e motivação. É uma mudança no fluir das relações entre as pessoas para conseguirmos extrair o potencial do grupo.
9. Que pergunta que gostarias que te fizessem sobre o “Sistemic Coaching” e que resposta darias?
A questão seria, porque devemos usar o “sistemic coaching”? Minha resposta seria para qualquer líder, ao assistir a um jogo de basquete e compreender que a equipe tem o “momentum” em que quer no ataque, quer na defesa de tal maneira forte, que a outra equipa não a consegue parar… Como é sentir-se fazer parte dessa equipa?
Isso é confiar nas pessoas, no todo, que é o principal objetivo do “sistemic coaching”.
10. Terminamos com uma pergunta mais pessoal, no basquetebol quais foram as tuas maiores alegrias e as maiores tristezas.
A minha maior alegria no basquetebol foi vencer pelo CIF a Taca de Portugal, com transmissão televisiva da RTP, comigo a jogar. As lembranças maravilhosas de fazer parte de uma grande equipe e grande grupo de pessoas. Aprendi muito, no meu primeiro ano a jogar profissionalmente basquetebol, em Portugal. Foi uma aprendizagem para o resto da minha vida. Outra alegria é depois de tantos anos a jogar basquetebol, profissionalmente, as pessoas ainda se lembram de mim e de como eu jogava. Sinto que consegui ter um impacto positivo como jogadora de basquete e isso me traz muita alegria. Espero espalhar meu conhecimento do jogo, quer pela próxima geração de jogadores de basquete, quer no universo das empresas.
A maior tristeza foi lesionar-me no joelho, romper o ligamento cruzado anterior e ter de ser operada duas vezes. Para ganhar confiança, eu sabia que tinha que voltar ao ponto de partida na minha carreira, quando eu tinha mais confiança e muito gozo a jogar basquete. E isso seria voltar a Portugal e jogar basquete com meus amigos. Deu certo, pude continuar jogando e também ter até hoje uma carreira na arbitragem. Portugal está no meu coração e agradeço a todos os meus companheiros, treinadores e amigos pela fantástica experiência que tive a jogar basquete profissionalmente, nesse lindo país.