Fazer pelos mais novos, o que em tempos os mais velhos fizeram por nós é de uma dimensão humana incomensurável. Saber sair das quatro linhas do campo, sair dos X`s e dos O`s, sair das estéreis discussões sobre os erros das arbitragens, sair dos seus egos e saber olhar para o que de mais belo o basquetebol pode dar ao mundo

é olharmos para os exemplos de Manute Bol, Luol Deng e provavelmente daqui a alguns anos Kahman Maluach. Pensar e refletir sobre estes exemplos não será bem mais importante para um mundo melhor, do que perdermos o nosso tempo em questões e picardias insignificantes?

Manute Bol depois de deixar de jogar abriu no continente africano várias escolas com a finalidade de ajudar crianças através da prática do basquetebol. Luol Deng começou a jogar basquetebol, num campo de refugiados no Egito por influência e motivação de Manute Bol. Na linha do seu inspirador e amigo, Luol Deng deu continuidade ao trabalho de Manute Bol e foi mais longe ajudou com o seu dinheiro a criar a Federação de Basquetebol do Sudão do Sul, país que se tornou independente em 2011. Infelizmente Manute Bol, que morreu em 2010,não viveu o suficiente para assistir ao surgimento do mais novo país do mundo. Segundo Jorge Masul: “Estima-se que doou cerca de 90 milhões de dólares do seu próprio bolso para construir estradas, hospitais e escolas. Aos 47 anos morreu prematuramente doente e sem dinheiro. No seu leito de morte, ele disse estar orgulhoso de ter dado a vida pelo seu país.”

Passados apenas 12 anos, após a sua independência, o país mais pobre do mundo consegue participar no mundial de basquetebol e tendo obtido a melhor classificação entre os países africanos ficou apurado para participar nos Jogos Olímpicos de 2024 em Paris.  E o que é impressionante, é que a mensagem da passagem de testemunho já está presente na cabeça do elemento mais novo da seleção do Sudão do Sul e transcrevo as palavras de Marco Vaza no jornal “O Público” de 6 de setembro de 2023, num artigo intitulado Sudão do Sul as estrelas brilhantes rumam a Paris: “mas quem captou a atenção foi o único que ainda joga em África, no Senegal, um jovem de 16 anos com 2,16 chamado Kahman Maluach, o mais novo do torneio.

O seu impacto neste Mundial não foi grande – médias de dois pontos e 3,8 ressaltos – mas os observadores reconheceram-lhe potencial e dão-no como uma escolha de topo no draft de 2015. A sua história é igual à de muitos dos colegas de equipa. Nasceu no Sudão, cresceu num campo de refugiados no Uganda e deu os primeiros passos no basquetebol num campo organizado por Luol Deng. Maluach entrou para uma academia da NBA no Senegal e daqui talvez vá para o basquetebol universitário nos EUA ou talvez diretamente para a Liga. Esse é um dos seus sonhos, mas não é o único. “Quando me retirar, quero voltar a casa e mudar tudo. Quero mudar o meu país.”

Cada um de nós, que em criança ou jovem jogou basquetebol, à sua escala, na medida das suas disponibilidades pode ajudar a passar o testemunho. Como, colaborando nos seus clubes, ajudando por exemplo num setor tão deficitário como as arbitragens dos escalões mais novos, ou em múltiplas outras funções, pode fazer pelos mais novos, o que outros em tempos fizeram por nós. Esta é uma dimensão humana e social que deve permanecer nos nossos horizontes. Em tempos tão conturbados e inclusive de retrocesso civilizacional e ético, exemplos de humanidade e solidariedade precisam-se. Saiba cada um de nós à sua escala dar o seu contributo.